Cultura e Política exercem influências


Hoje falarei em que ponto a Cultura influencia a Política e vice-versa. Um exemplo bem claro é a MPB, Música Popular Brasileira, que se desenvolveu a passos largos durante o período de repressão da ditadura militar brasileira.
Diversos artistas e compositores escreviam e faziam sua arte como forma de combater o regime. Eram letras de músicas repletas de significados 'ocultos' para driblar a censura. Neste ponto, a cultura da música popular era afetada por questões políticas, que tomavam conta do país. De forma semelhante, esta mesma política modificava a música, que se adaptava para não ser percebida como protesto. Interessante, não?

Grandes artistas como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque e Geraldo Vandré fizeram parte de movimentos de esquerda, contribuindo com sua arte e entrando para a História.


O golpe militar que começou em 1964 e durou 21 anos, agia com repressões políticas, prisões, torturas e exílio aos artistas e políticos da época que eram contra o regime ou a favor do comunismo. A classe média, a igreja, os EUA e as elites dominantes apoiavam o regime por temerem o comunismo, quando na verdade deveriam temer quem estava no poder.

Como exemplo, colocarei a letra desta música feita como protesto e que denunciava a inversão de valores entre policiais e ladrões. Ao fim, a explicação é feita por Cylene Dworzak Dalbon, Jornalista.

(Julinho de Adelaide / Leonel Paiva - 1974)

Intérprete: Chico Buarque
Acorda amor

Eu tive um pesadelo agora

Sonhei que tinha gente lá fora

Batendo no portão, que aflição

Era a dura, numa muito escura viatura

minha nossa santa criatura

chame, chame, chame, chame o ladrão

Acorda amor

Não é mais pesadelo nada

Tem gente já no vão da escada

fazendo confusão, que aflição

São os homens, e eu aqui parado de pijama

eu não gosto de passar vexame

chame, chame, chame, chame o ladrão

Se eu demorar uns meses convém às vezes você sofrer

Mas depois de um ano eu não vindo

Ponha roupa de domingo e pode me esquecer

Acorda amor

que o bicho é bravo e não sossega

se você corre o bicho pega

se fica não sei não

Atenção, não demora

dia desses chega sua hora

não discuta à toa, não reclame

chame, clame, clame, chame o ladrão

Histórico:
Após as canções “Cálice” e “Apesar de Você” terem sido censuradas pelo sistema repressivo, Chico Buarque achou que seria mais difícil conseguir aprovar alguma música sua pelos agentes da censura. Escreveu então “Acorda Amor” com o pseudônimo de Julinho de Adelaide para driblar a censura. Como ele esperava, a música passou. Julinho ainda escreveria mais 2 músicas antes de uma reportagem especial do Jornal do Brasil sobre censura, que denunciou o personagem de Chico. Após esta revelação, os censores passaram a exigir que as músicas enviadas para aprovação deveriam ser acompanhadas de documentos dos compositores

Acorda Amor é um retrato fiel aos fatos ocorridos no período que teve seu ápice entre 1968 (logo após a decretação do AI-05) e 1976 quando, teoricamente, a tortura já não era mais praticada pelos militares. Diversas pessoas sumiram durante este período após terem sido arrancadas de suas casas a qualquer hora do dia ou da noite, e levadas para DOPS e DOI-CODI´s espalhados pelo Brasil. A falta de confiança era tão grande que as pessoas tinham mais medo dos policiais (que seqüestravam, torturavam, matavam e, muitas vezes sumiam com corpos) do que de ladrões. A ironia do compositor é tão grande que, quando os agentes da repressão chegam a casa chamam-se os ladrões para que sejam socorridos.




Enfim, este é somente um exemplo de como a Cultura influencia e influenciou a Política e vice-versa.

Se quiser entender um pouco mais sobre cultura e ditadura,
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